É claro que não se trata de “governantes que querem que o povo permaneça na ignorância”; isso é teoria da conspiração. Usar drogas realmente pode alterar alguns aspectos de como vemos o mundo e oferecer novas perspectivas, mas está longe de abrir caminhos para uma consciência superior.
O principal argumento dos proibicionistas é que drogas prejudicam o indivíduo e a sociedade e que a proibição diminui o consumo. Ambos argumentos que a priori se sustentam: psicotrópicos realmente podem “fazer mal” e em geral as drogas proibidas são menos utilizadas do que as drogas legalizadas.[1]
Contudo, isso não justifica que o álcool seja legalizado, enquanto a maconha ou o LSD são proibidos; afinal, essas drogas se mostram menos maléficas para o indivíduo do que o álcool. Além disso, a “guerra às drogas” mostra um custo social muito grande, talvez maior do que os custos sociais do aumento do consumo advindo da legalização.
No fim, parece que a manutenção da proibição de algumas drogas se funda muito mais em moralismo do que em razões objetivas.[2] “Usar droga é errado, logo, deve ser proibido”. Seria como, p. ex., proibir o adultério.
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As primeiras restrições à produção e comercialização de drogas a nível internacional ocorreram no início do século XX, com a Comissão do Ópio de Xangai, que restringiu o cultivo e comércio da planta.
De lá para cá, foi criada a ONU, que universalizou o combate às drogas através de várias convenções (1961, 1971, 1988). Em 1971, o POTUS Richard Nixon declarou a “guerra às drogas”, proclamando-as o “inimigo número um” dos EUA. Em 2008, a ONU emitiu uma “nota de atualização” reforçando o objetivo de ter “um mundo livre de drogas”.[2]
Mas por que proibir a maconha, e não o tabaco? Uma das teorias, a qual encaro com ceticismo, é que nessa época de Nixon a maconha era uma droga típica de negros e hispânicos, e que a proibição da substância legitimaria a perseguição a esses grupos.
Eu acho que as pessoas realmente tinham “medo” das drogas e achavam que proibi-las iria evitar que fossem consumidas (o que é em parte certo, mas em parte engano). Os efeitos devastadores da heroína injetada são um problema sério para vários países europeus. Nos anos 80, a explosão do consumo de cocaína nos EUA levou ao escancaramento dos problemas que essa droga também pode trazer (adição, overdose); isso pode ter criado a sensação de que as drogas realmente eram um mal a ser combatido. Tudo isso contribui para que o proibicionismo se mantenha forte.
E também há o papel do moralismo, que vai acompanhar as drogas ainda por muito tempo.
Ou seja, a proibição das drogas no século XX pode ter sido motivada por interesses econômicos, moralismo e xenofobia; esses mesmos fatores, somados ao medo de que as drogas corrompam a sociedade, sustentam a proibição até hoje.
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Por que, então, o cigarro não é proibido, se é uma droga também devastadora do ponto de vista da saúde individual e que acarreta grandes custos sociais em saúde?
O cigarro, assim como o café, o chá e o cacau, é uma droga ao mesmo tempo muito prazerosa e pouco entorpecente. Você pode fumar um cigarro e dirigir ou trabalhar, como faz após tomar um café. Isso não é verdade com o álcool, a maconha, a cocaína nem o LSD. Ademais, o tabaco também é socialmente estimulante, o que lhe favorece ainda mais. Antes da década de 1950, o tabaco era até utilizado como remédio para doenças respiratórias! Não fazia sentido proibir!
Quando se consolidou o conhecimento de que fumar pode levar a várias doenças fatais, a guerra às drogas já estava a todo vapor, e o cigarro não estava entre os inimigos: a indústria tabaqueira era forte e as pessoas gostavam de fumar; proibir seria flagrantemente contraprodutivo. O que se fez foi criar restrições para seu consumo, e assim estamos até hoje.
O álcool é menos inocente a curto prazo do que o cigarro: ele altera importantemente nossa percepção, causa mortes no trânsito, violência doméstica, brigas de rua. Eu acho que não foi proibido simplesmente porque é uma droga mais querida (assim como o cigarro e o café) pelos humanos ou pelo menos pelos humanos ocidentais (países árabes têm muito maiores restrições ao consumo de álcool). Provavelmente tem a ver com o cristianismo também.
De toda forma, a proibição da maconha e não do álcool se funda basicamente em medo, moralismo, preconceito, comodismo, e não em razões objetivas. Talvez interesses econômicos de grandes grupos também estejam nesse mix, mas prefiro não especular por esse lado.
A tendência mundial tem sido legalizar ou tolerar o consumo da maconha, que não por coincidência é a droga ilícita mais utilizada ao redor do mundo. Temos exemplos na Holanda, EUA, Uruguai, Portugal etc.
Algumas anfetaminas são apenas controladas, e não proscritas, por oferecerem potencial terapêutico importante (como para TDAH). Outros psicotrópicos também entram nessa: alguns derivados de cannabis, metilfenidato, opioides etc.
Devemos, por fim, lembrar que drogas podem causar graves danos ao indivíduo e à sociedade. Alucinógenos como o LSD, por exemplo, causam pouco dano físico, mas perturbam a mente de forma potente, o que pode gerar violência, mortes no trânsito etc.; outras dorgas, como a cocaína e a heroína, têm grande potencial de causar dependência e são particularmente tendentes à overdose.
Legalizar as drogas não é uma panaceia. Muito menos proibi-las.

Referências
1. DEGENHARDT, L. et al. Toward a global view of alcohol, tobacco, cannabis, and cocaine use: findings from the WHO World Mental Health Surveys. PLoS medicine, v. 5, n. 7, p. e141, 2008.
2. MENA, F.; HOBBS, D. Narcophobia: drugs prohibition and the generation of human rights abuses. Trends in Organized Crime, v. 13, n. 1, p. 60-74, 2010.
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Adaptado daqui.
Vejam só o Nicolas primo do kelmer rs
Gostei do texto
Att
PF
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Muito bom primo! parabéns
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Ótimo texto.
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