O demônio da noite

A palavra “pesadelo” é curiosa. Nosso primeiro impulso é defini-la como um sonho ruim, mas pesadelos são mais que isso. Existem sonhos bons e sonhos ruins, e existem pesadelos. Eles são outra coisa.

Em inglês, pesadelo é “nightmare”, o que também é diferente de “bad dream”. A partícula “mare” originalmente se refere a um demônio noturno folclórico que durante a noite se joga sobre o peito da vítima, trazendo-lhe sonhos ruins. Essa mitologia está ligada à sensação de falta de ar e paralisia que acompanha os verdadeiros pesadelos. A própria palavra em português reforça essa teoria: o pesadelo é um sonho ruim acompanhado de um “peso” no peito, que tanto nos imobiliza como nos faz ofegantes. 

O pesadelo está um passo mais próximo da realidade do que o simples sonho. Ele é mais real, e por isso é mais aterrorizante. Nenhum sonho bom é capaz de nos deixar tão contentes ou satisfeitos como os pesadelos são capazes de nos deixar amedrontados ou desolados. Nenhum sonho bom nos faz acordar agitados como os pesadelos fazem. Pesadelos são sonhos que violam as fronteiras da inconsciência.

Em francês, a palavra é ainda mais forte: “cauchemar”. A partícula mar tem a mesma origem do mare saxão, enquanto cauche vem de um verbo do francês antigo que significa “atropelar”. O pesadelo seria o demônio que atropela a vítima que dorme.

Algumas das lembranças mais antigas que eu tenho envolvem pesadelos. Eu tinha menos de quatro anos, sei por causa da casa onde eu morava na época, quando acordei desesperado após sonhar com ladrões entrando no condomínio. Até hoje eu tenho a imagem desse pesadelo na mente. De todas as coisas que vivi, acordado e atento, uma de minhas lembranças mais nítidas e perenes é a foto de algo que nunca aconteceu, exceto em minha mente.

Essa é a força dos pesadelos.