Música da semana #3

Esta semana, os ex-colegas de Raimundos Digão e Rodolfo se reconciliaram, depois de quase 20 anos brigados, após a saída repentina de Rodolfo do grupo. As reconciliações serão extremamente fáceis se alguém der o primeiro passo.

Música

Bonita

 

Autoria

Rodolfo.

 

Melhor verso

De olho fechado, eu mordo forte, ela nem sente.

 

Meus dois centavos

Esta semana, Digão, atual vocalista da minha banda preferida, o Raimundos, e Rodolfo, ex-vocalista do grupo, juntaram-se virtualmente para dizer que haviam feito as pazes depois de quase 20 anos separados e brigados. Dois amigos de infância, que cresceram juntos e juntos iniciaram uma das maiores bandas do rock nacional, voltaram a se falar 20 anos depois da contenciosa separação da banda, no auge de seu sucesso.

Preparando-me para escrever este texto, encontrei uma entrevista com Rodolfo no late show de Danilo Gentili, que foi ao ar esta terça-feira. Eu estava feliz com a reconciliação dos dois, não só por ser fã do Raimundos, mas por achar bonita a estória de dois amigos fazendo as pazes. Mas a entrevista me deixou de queixo caído: Rodolfo fala com muita lucidez e amor de seu passado no Raimundos e de sua nova vida, reconhece os erros que cometeu em relação aos ex-colegas de banda, cita sua boa relação com Chorão e dá exemplo atrás de exemplo de como é um grande homem.

Os fãs do Raimundos realmente ficam ressentidos pela saída repentina e inexplicada de Rodolfo. A banda estava no auge do sucesso, em um lugar onde todos queriam estar, muito poucos já haviam estado, e era fácil cair de lá. A saída de Rodolfo foi um golpe forte no grupo, que nunca voltou aos níveis de sucesso da época. Se os fãs ficaram ressentidos, imagine os colegas de banda: eles se sentiram literalmente traídos.

Alguns dias atrás, Bessanger, primo do pai de Rodolfo e figura célebre na história da banda, adoeceu e morreu. Este parece ter sido o gatilho para a reaproximação de Digão e Rodolfo. Bessanger é um dos primos de Rodolfo que parecem na canção Puteiro em João Pessoa, que conta a iniciação sexual do ex-Raimundos, sob a tutela de dois primos: “a vida me presenteou com dois primos já marmanjos, o muito justo era o Augusto, o safado era o Bessanger”.

A música da semana que faria mais sentido talvez fosse Puteiro em João Pessoa, mas é uma canção que tem pouco a ver com a nova vida de Rodolfo. Dificilmente qualquer música do Raimundos não tem baixaria e palavrão, mas essa é escancarada demais. Escolhi, então, uma das músicas mais românticas da era Rodolfo do Raimundos, do álbum Lapadas do Povo.

***

Algumas frases de Rodolfo na entrevista me marcaram:

As reconciliações serão extremamente fáceis, se alguém der o primeiro passo.

Vocês notaram a referência ao Jota Quest? Brincadeira, hehehe.

O Teatro Mágico tem uma música em que Fernando Anitelli diz “a felicidade bestializa, só o sofrimento humaniza as pessoas”, frase de Mário Quintana, acredito eu. Nesta época de doença e morte, além de crise econômica, o sofrimento está por toda parte. Esse sofrimento e a sensação da morte à espreita nos sensibiliza para algumas coisas importantes que tendemos a esquecer na correria do cotidiano: o valor das pessoas queridas e da vida em geral.

Ze Frank, outro ídolo, diz que “aquilo que nos faz nos sentirmos mais sozinhos é o que tem o maior poder de nos unir”. Quando sofremos as piores dores, sentimo-nos extremamente sozinhos, porque ninguém está sentindo a nossa dor. Mas a verdade é que todos os seres humanos conhecem esse sentimento, cada um à sua maneira, e todos somos capazes de nos condoer com a dor do outro, porque ela é parte da nossa própria dor

Não é deus que tem algo contra as músicas do Raimundos. Eu tinha uma vida e eu cantava exatamente o que eu vivia. De repente, eu conheci a verdade: a pessoa de Jesus. Isso transformou completamente minha vida. Inevitavelmente, a trilha sonora de minha vida mudou.

Claro que eu não estive nos bastidores da banda e não sei uma fração do que realmente aconteceu, em todos os seus detalhes, mas eu sempre pensei que os fãs de Raimundos tendiam a subestimar a transformação de Rodolfo na época em que ele decidiu sair da banda. Rodolfo não simplesmente decidiu parar de cantar besteirol e usar drogas; ele se transformou completamente, ele desceu ao seu inferno pessoal e saiu de lá renovado. 

Não é porque crente não pode cantar punk e falar palavrão. É porque o Raimundos era uma realidade que não condizia mais com quem Rodolfo havia se transformado. Continuar cantando na banda depois de sua transformação pessoal seria viver uma mentira bem descarada. E isso é uma má ideia.

O Chorão foi a única pessoa que me defendeu em público, mas me ligou pra me puxar a orelha. E eu achei isso demais, porque é isso que amigo faz: se eu tiver que puxar a sua orelha, eu puxo a sua orelha, e não faço um show para puxar sua orelha.

Tem duas coisas que importantes aqui. 

Primeiro, Rodolfo saiu em 2000 do Raimundos, e Digão lhe substituiu nos vocais. Rodolfo é um dos maiores vocalistas do rock brasileiro, tinha uma voz encapetada, e Digão nunca chegou ao seu nível nesse quesito. Mas ele assumiu a bronca, a banda se levantou, e continua em atividade até hoje, com muita dignidade. Eu nunca assisti o Raimundos tocar com Rodolfo, mas já assisti duas vezes com Digão, e ele nunca decepciona. É um líder e um vocal de respeito.

Chorão morreu em 2013, e seus companheiros de Charlie Brown Jr. tentaram manter a atividade. Em respeito ao fundador e grande frontman do grupo, mudaram até o nome da banda. Parte dos “fãs” de CBJr foram extremamente críticos, inclusive acusando Champignon — que assumira os vocais — de tentar roubar o legado de Chorão. Alguns meses depois, Champignon se mata com um tiro na cabeça.

A teoria de que Champignon tentara roubar o lugar de Chorão é tão absurda que é triste ter que comentar. Pelo amor de deus, eles mudaram o nome da banda. Todos do CBJr reverenciavam Chorão, inclusive — eu diria principalmente — Champignon. Ele nunca tentou roubar o lugar de Chorão, nem desrespeitar seu legado. Ele era a primeira boa opção para substituir o amigo, já que era o segundo rosto mais característico da banda, o braço direito de Chorão. O criticismo que ele sofreu naquela época, não tenho dúvidas, contribuiu para que acontecesse o que aconteceu.

Segundo, eu comecei a usar o Twitter alguns meses atrás para divulgar o blog em mais uma rede social, e me incomoda muito a facilidade com que as pessoas falam mal das outras no Twitter, em especial de pessoas próximas de seu convívio, amigos e familiares que não estão na rede. Eu acho isso muito feio, no sentido estético mesmo, além de extremamente pueril e desleal.

Essa prática na verdade é tão corriqueira que, dez anos atrás, quando eu usava a rede, existia essa expressão “xingar muito no Twitter” para se referir ironicamente aos jovens que queriam mudar o mundo com mensagens de 140 caracteres. Mas dificilmente alguém consegue fazer algo significativo no mundo, se não consegue manejar com graça os próprios conflitos internos ou familiares.

Somos a geração que quer mudar o mundo, mas xinga muito no Twitter para resolver problemas muito menores e mais simples.

É muito mais fácil fazer as pazes com um amigo ou disciplinar as relações dentro da sua família do que é fazer a paz entre israelenses e palestinos, ou entre jihadistas e americanos. Xingar muito no Twitter não vai ajudar nem um nem outro. Só faz o autor parecer bobinho, a maioria das vezes.

canisso.jpg
Eu e minha irmã com Canisso, baixista das duas eras do Raimundos, em Uberlândia, em 2013. Eles fariam um show mais tarde, e comparecemos. Foi feita uma homenagem a Chorão, que havia morrido algumas semanas antes.

4 comentários em “Música da semana #3

Adicione o seu

O que você acha?

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Blog no WordPress.com.

Acima ↑