Droga é um substantivo que se refere a qualquer substância que altera o funcionamento “normal” da mente, com potencial para causar dependência. Pode ser cocaína, crack, maconha. Café e cerveja. Rivotril.
Droga também é uma interjeição socialmente aceitável que exprime situações em que algo dá errado. Muito utilizada na frente da família ou em ocasiões mais formais, em que não cai bem falar palavras de baixo calão. Droga!
Por fim, droga também é um adjetivo, que caracteriza objetos de má ou de nenhuma qualidade. Por exemplo, “este texto está uma droga”.
Ou seja, drogas são sempre associadas a algo ruim. Mesmo na primeira acepção, raramente se usa o termo “droga” como sinônimo de medicamento, mas geralmente para se referir a essas outras substâncias de que nos falam desde criança para delas nos mantermos bem longe.
Como se trata de compostos químicos que interferem na fisiologia animal, eu, pessoalmente, sempre pensei que as drogas deveriam ser um assunto reservado à medicina, à química, à botânica e, em alguns casos, à antropologia e à psicologia. Ao direito, minha área, deveria caber um papel quase insignificante, de regulação da produção e do comércio.
Mas é o contrário. O direito é o protagonista dessa história, mais ou menos desde 1912, quando apareceu o primeiro documento proibicionista internacional. De lá pra cá, esse tipo de norma se multiplicou como coelhos.
No mundo, temos três convenções principais que listam as drogas “mais perigosas” e como os países deveriam lidar com elas (proibindo a produção, punindo usuários e vendedores etc.).
Já no Brasil, nossa lei também é dura. Ela criminaliza o consumo e pune com penas severas 18 tipos de ações diferentes (os famosos 18 verbos). O objetivo é esse mesmo: abarcar tudo. Nada lhe escapa. E, como se não fosse o suficiente, essa mesma legislação dá uma grande margem de discricionariedade para diferenciar o que é consumo do que é tráfico, mandando analisar:
A natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente.
Quase dá pra ouvir, nas entrelinhas, a lei mandando prender pretos e pobres. E isso nem novidade é. Sempre foi confusa ou arbitrária a diferenciação das figuras do traficante e do usuário, com uma forte tendência para castigar os vulneráveis e fazer vista grossa ao comportamento das classes privilegiadas.
Ilustro: em 1830, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro já punia os vendedores de maconha com pena de multa, enquanto aos escravos que fossem pegos fumando a erva eram reservados três dias de cadeia. Não há sequer previsão de castigo para não escravos. Ou a lei não considerava possível que um “branco” fumasse maconha ou simplesmente não queria puni-lo.
Nada novo sob o sol. Legisladores (e juristas) nunca foram muito providos de senso de realidade.
Essa visão do direito me incomoda muito. Dediquei dois anos do meu curso de mestrado (em direito) para pesquisar sobre o tema e entendê-lo melhor. A conclusão não poderia ser mais simples: é tudo um absurdo.
Existe um brocardo (nome chique para ditado popular) que diz que o direito penal deve ser sempre a última alternativa, a última razão (ultima ratio, em latim). Isso significa que só se deve criminalizar uma conduta e punir seus infratores, geralmente com pena de prisão, depois que tudo o mais deu errado.
Eu sou mais radical. Acredito que o direito, em si, é a última razão. Só recorremos ao direito quando falhamos enquanto sociedade ou como membros dela. Pense ao seu redor… nós só vamos ao fórum “entrar com um processo” depois que o diálogo, a paciência e o bom senso se esgotaram. O direito é, assim, na minha visão pessimista, um símbolo do nosso atraso espiritual.
E as drogas são a maior prova disso. Empurraram a temática das drogas para o penalismo como quem quer se livrar de problemas e de pessoas indesejáveis. Tratam como caso de polícia o que, no máximo, deveria ser encarado como assunto de saúde pública — mas nem sempre, quero deixar claro, pois consumo de drogas não significa necessariamente abuso ou dependência.
Enfim, estou aqui para tentar falar disso. A convite do meu amigo Nícolas, eu, nas próximas semanas, começo uma série em que analisarei as drogas, no geral, e a maconha, em específico, sob a perspectiva jurídica. Longe dos academicismos, mas usando o que aprendi nas pesquisas do mestrado.
E, a partir do convite do Nícolas, eu convido vocês, que se interessam pelo tema, a me acompanhar nos textos. Que seja uma droga, mas das melhores.

Muito bom, José. Ansioso pelos próximos textos.
Algumas questões que eu tenho que acho interessante abordarmos:
– é claro que as drogas têm efeitos sobre a sociedade, além dos efeitos sobre os indivíduos; por que deveríamos legalizá-las, se elas têm efeitos danosos potenciais a quem não as usa?
– qual é o limite para a legalização? podemos legalizar a maconha, mas e a cocaína? e o crack? e as club drugs?
– se legalizássemos, como regularizaríamos? as drogas seriam vendidas em bares/boates ou em farmácias? benzodiazepínicos são legalizados, mas não são comercializados livremente. isso não manteria o papel do tráfico em fornecer droga ilegalmente (quebrando o argumento de que a legalização acabaria/enfraqueceria o tráfico)?
– as drogas mais utilizadas são as legais, no mundo inteiro. a legalização provavelmente aumentará o uso. há dados confiáveis sobre isso em países/estados que já legalizaram?
Obrigado. Espero as sequências.
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