Pare de tentar ser feliz

Um de meus textos mais queridos, mas também mais polêmicos, é aquele que diz que a vida não serve para ser feliz, mas para ser vivida. As pessoas se incomodam muito com essa frase, pois acham do fundo da alma que a razão de viver é ser feliz. Estamos dispostos a perseguir a felicidade a todo custo. Queremos dinheiro, mas apenas o suficiente para ser feliz, sem precisar sacrificar outras coisas da vida que nos dão alegria. Queremos construir coisas legais, desde que o processo de produção gere felicidade. Queremos ter uma família — pequena ou grande, clássica ou alternativa, tanto faz — desde que seja feliz.

Quando eu escrevi o texto, que era uma pequeno ensaio sobre nossas inseguranças e a supervalorização de algumas escolhas pessoais, eu não sabia exatamente se isso era verdade, nem sabia explicar a razão de ter escrito essa frase. Eu sentia que a frase era verdadeira, mas não sabia explicá-la racionalmente.

De lá para cá, cada vez mais tenho a entendido melhor. E posso começar a explicá-la de forma racional agora. É isso que eu vou tentar fazer aqui.

***

Eu comecei a pensar que a vida não serve para ser feliz lá em 2012, quando li este texto de Alex Castro. Eu concordo com ele que viver a vida pensando na própria felicidade seja uma forma de egoísmo e isso parece ser ruim. Mas eu tenho muitas reservas quanto à possibilidade de qualquer uma de nossas ações não ser egoísta em algum grau. Nós parecemos sempre agir em interesse próprio, mesmo quando isso é feito de forma “altruísta”. É como se o auge do egoísmo fosse ajudar.

Depois, eu comecei a achar a busca da felicidade uma coisa fraca — mesquinha, baixa, reles. Ser feliz parece ser desonroso. O bom ser humano parece estar sempre em busca do desafio, tentando dominar o indominável, e isso é um sacrifício e é doloroso e pouco tem de feliz. Felizes são as amebas, que vivem a vida sentadas, aceitando o que ocorrer. Ter a felicidade como objetivo de vida parece preguiça e covardia.

Eu ilustro esse pensamento com duas frases, de dois poetas. A primeira, de P. Leminski: um homem com uma dor é muito mais elegante. A segunda, de Vinicius: é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho.

Eu adoro essa frase de Vinicius. Não é pela carência do eu lírico e sua incondicional vontade de estar sempre com alguém, mas pela sua valorização de algo acima da felicidade. Como exemplificamos no começo do texto, a maioria das pessoas quer um companheiro — desde que isso as faça feliz. O eu lírico de Vinicius não: ele quer uma companheira, mesmo se isso o deixar triste.

Talvez, para ele, a vida não sirva para ser feliz, mas para ser dividida.

Uma vez, um homem mais velho me disse que não se separaria da esposa, mesmo o casamento indo mal, porque não queria que seus filhos pequenos passassem pelo divórcio. Eu respeito essa convicção de fazer o que se considera certo, mesmo que isso lhe garanta apenas infelicidade. Eu não estou dizendo que ele está certo — eu nunca passei por um casamento ruim nem por um divórcio e nunca arriscaria fazer juízo de valor das escolhas que as pessoas que passaram por essas situações horríveis fizeram. Mas eu admiro o que ele disse.

Mas, se somos egoístas mesmo quando agimos de forma aparentemente altruísta e se não vamos perseguir a felicidade, então vamos perseguir o quê? O que é que Leminski perseguia com sua dor? O que é que Vinicius perseguia em sua tristeza?

Isso também é algo que eu demorei para entender. Parece que, independentemente dos malabarismos intelectuais que você faça, no fim você está sempre perseguindo a felicidade, só que de forma disfarçada. Na época que publiquei o texto do primeiro parágrafo, eu cheguei a teorizar que não perseguir a felicidade seria uma forma melhor de chegar a ela — ou seja, o objetivo ainda era ser feliz, só que de forma dissimulada.

E eu venho descobrindo que o que devemos perseguir é sentido — mesmo que ele venha acompanhado da infelicidade.

Tem essa frase famosa de Nietzsche: quem tem um porquê suporta qualquer como. O ser humano é o seu melhor não quando está correndo atrás da felicidade, mas quando está fazendo coisas que tenham sentido, que o ajudem a transcender. A busca por sentido é afirmativa, honrosa, bonita e boa, e produz frutos importantes e poderosos. Afirmar a vida, mesmo nas piores condições, e ter uma razão forte para viver: esse é o objetivo.

Nós não devemos almejar a felicidade. A felicidade é uma sensação, é um estado efêmero, que vem e logo vai embora, e depois volta. Perseguir continuamente esse estado é como um vício: você sente que tem cada vez menos e busca cada vez mais, com potenciais consequências terríveis para aqueles ao seu redor e para si mesmo. Quem tem mais do que precisa ter nunca tem o bastante.

A tragédia humana é inevitável. Você vai passar por uma doença terrível, pela humilhação pública e pela desordem econômica — se não você, alguém próximo e querido. Quando esse momento chegar, é melhor que você não esteja procurando pela felicidade, porque você não vai encontrá-la (se encontrar, pode ser sinal de uma perversão pior ainda). A pessoa que busca ser feliz, em um momento de crise como esses, não será de grande ajuda. A pessoa que busca sentido, que tem um motivo para seguir em frente, é uma fortaleza. Ela fortalece a si mesmo e a todos ao seu redor. É a pessoa que não se abaixa para fora da possibilidade do soco, mas encara a tragédia da vida com coragem e peito aberto — porque o soco é infeliz, mas é necessário.

A vida vem em ondas, como o mar. Nosso objetivo é ser aquele que vai segurar a onda quando ela vier, para si mesmo e para todos ao seu redor. 

Correr atrás de ser feliz é coisa de moleque.

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2 comentários em “Pare de tentar ser feliz

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  1. discordo de voce, porem concordando

    comecei a leitura descordando em quase tudo, mas a terminei entendendo e concordando com seu pensamento.
    primeiramente com a frase de Vinicius, sofrimento não é igual a infelicidade e felicidade nao é igual a uma vida sem sofrimento, sao coisas distintas.
    segundamente, amebas nao ficam sentadas esperando a vida acontecer, humanos fazem isto, e esta frase faz uma alusão a seres humanos amebas (sei q esta era a idéia, mas como vc disse, nao julgaremos as decisões de cada um).
    eu também penso que esta busca cega por felicadade é fundamentalmente egoísta, mas cada um ve felicidade de uma forma diferente, eu a vejo andando junto com o “sentido” que vc expressa neste texto.
    De forma geral, concordo com o que vc disse, a vida não é pra ser feliz, é pra ser vivida.

    peço desculpa pela escrita e se não me fiz entender apropriadamente, minha intenção não é ofender, muito pelo contrario, se estou aqui é porque eu o admiro e aprecio seu trabalho

    Curtido por 1 pessoa

    1. Obrigado pelo comentário! Eu acho que entendi sim o que você quis dizer.

      Concordo que felicidade e sofrimento não sejam necessariamente opostos. Mas é difícil pensar em uma vida em que o sofrimento seja quase onipresente, que seja ao mesmo tempo feliz. Mas é possível pensar em uma vida essencialmente sofrida que tenha sentido e que valha a pena ser vivida. Viktor Frankl nos provou isso.

      Acho que procurar um sentido grande na vida nos faz mais fortes do que procurar a felicidade — tanto individualmente como socialmente.

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