Música da semana #7

Música

Nearer, My God, to Thee

 

Autoria

Sarah Fuller Flower Adams.

 

Melhor verso

Darkness be over me, my rest a stone/ Yet in my dreams I’d be nearer, my God, to Thee

 

Meus dois centavos

Eu sou materialista, mas gosto bastante das religiões em geral, tanto de suas filosofias como de suas histórias. Músicas religiosas podem ser muito poderosas porque a matéria religiosa é sempre muito profunda: elas estão sempre lidando com grandes verdades, transcedência, vida e morte, sentido e significado etc.

Fora do Brasil, me encontrei muito em My Sweet Lord, de George Harrison, e em Nearer, My God, to Thee. No Brasil, a Oração pela Família, do Padre Zezinho, é particularmente forte para mim. É uma das músicas mais bonitas que eu conheço, e quase sempre choro quando ouço. Também gosto de Um Certo Galileu, do mesmo Padre Zezinho, e O Homem de Nazareth, que salvo engano é de Chitãozinho e Xororó. 

Esses tipos de música, religiosa e sertaneja, marcaram minha infância.

***

Eu cresci dentro da religião. Minha família materna cresceu em uma pequena comunidade perto de Tupaciguara, onde todos (eu acho) eram espíritas. Uma pequena comunidade espírita no meio do mato no Triângulo Mineiro.

Uma vez eu atendi um paciente de Tupaciguara no Hospital de Clínicas de Uberlândia e perguntei sua religião, o que é de praxe. Ele disse que era espírita e eu perguntei onde ele morava em Tupaciguara. Ele disse que era dos Bálsamos.

Ele conhece minha família inteira e minha família inteira o conhece.

Tá, não a família inteira, mas grande parte. Não tão grande, mas boa parte. A parte mais velha.

***

Nearer, My God, to Thee é uma música de origem protestante. Eu tenho um amigo católico e, assim que lhe mostrei a música, que ele não conhecia, ele reconheceu que ela era protestante. Eu não faço ideia de como ele percebeu isso. Na minha cabeça, ela parece bem católica.

A música é famosa por ter sido supostamente tocada pela banda do Titanic logo antes do naufrágio do barco. Aparentemente, porém, pelo pouco que pude pesquisar, é imporvável que isso seja verdade. Ainda assim, ela fez parte da trilha sonora do filme de James Cameron de 1997. A versão do filme parece ser um pouco diferente da versão cantada que eu coloquei lá em cima, que é minha preferida.

***

Nearer, My God, to Thee é vagamente baseada em uma passagem do Gênesis conhecida como “a escada de Jacó”.

Jacó, filho de Isaque e Rebeca e irmão gêmeo de Esaú, viajava a mando de seu pai para encontrar Labão e ter uma de suas filhas por esposa — acabou tendo duas, após trabalhar por vários anos para Labão, história que foi contada por Camões em seu famoso soneto, que é um de meus poemas preferidos. No caminho para a tera de Labão, Jacó decide descansar, e pega uma pedra do chão e a usa como travesseiro. Jacó adormece e sonha com uma escada que se alonga em direção ao céu, por onde anjos sobem e descem. Jacó então acorda e abençoa a pedra sobre a qual descansava e promete erguer sobre ela a casa de deus, se ele o protegesse em sua viagem.

Interessantemente, Jacó, pai das doze tribos de Israel, saiu da casa de sua família, de alguma forma, fugido. Ele havia sido bem sacana com seu irmão, Esaú.

Apesar de gêmeos, Esaú saíra do ventre de Rebeca antes de Jacó, o que lhe assegurou o direito de primogenitura. Na tradição do povo que escreveu a bíblia, o espólio das famílias não era dividido igualmente entre os irmãos, mas o primogênito ficava com quase tudo. Essa tradição ainda existia em muitos sistemas jurídicos até século passado. O filósofo britânico David Hume, por exemplo, era de uma família rica, mas não herdou nada, por não ser primogênito.

Então, um dia Jacó se aproveitou do cansaço e da fome de Esaú e trocou com ele o direito de primogenitura por uma refeição. Foi uma troca bem ruim para Esaú. Provavelmente seria um contrato a ser revisto, sob alegação de desproporcionalidade e má fé, no contexto do direito civil brasileiro contemporâneo.

Alguns anos depois, Isaque está em seu leito de morte, cego, e chama Esaú para lhe abençoar. Mas Jacó engana seu pai, com a ajuda de Rebeca, sua mãe, e recebe a benção no lugar de Esaú.

Esaú tinha motivo para ficar irado, e Jacó tinha motivo para fugir.

E, mesmo sendo um traidor do próprio irmão, mesmo estando atolado em uma lama de más decisões, Jacó estava mais perto de deus e foi escolhido para dar origem às doze tribos. Nós descendemos, literalmente ou culturalmente, dependendo de sua fé, de indivíduos cujas condutas são bem repreensíveis moralmente.

A lição que fica é:

Não limite sua compaixão às pessoas que nunca erram. Elas não existem.

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2 comentários em “Música da semana #7

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