O texto abaixo é de autoria de Victor Lisboa, sobre quem eu falei um pouco aqui e quem já tem outro texto aqui. É o melhor texto sobre amor que eu já li na internet, do melhor autor que eu já li na internet. Aproveitem.
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A imagem acima é parte de uma das minhas pinturas prediletas. O título da obra é Vênus, Cupido, Loucura e Tempo, do pintor florentino Agnolo Bronzino (a versão completa pode ser vista aqui). Ela simboliza, em uma alegoria, os aspectos mais essenciais do amor, da paixão e do efeito do tempo nesses sentimentos. Descobri essa pintura na minha adolescência e desde então ela tem me fascinado. Não só a pintura em si, mas os temas de que ela trata.
Sendo editor de um site dedicado a tratar exclusivamente sobre amor e desejo, o Tempo de Amor, percebi algo em comum e presente em todos os outros sites que falam do mesmo tema, como o Entenda os Homens e o Casal Sem Vergonha: fala-se muita coisa bonita, viaja-se muito na maionese sobre o amor (porque isso encanta aos leitores e também é algo apaixonante para os autores), mas quase nunca se fala algo de verdadeiro e útil, principalmente quando a verdade é algo difícil de aceitar e muito pouco poética (porque isso não atrai leitores e, também, a maior parte dos autores tem pouca ou quase nenhuma real experiência de vida para falar do assunto).
Por isso resolvi escrever este longo texto em que apresento as principais verdades sobre o amor. O título pode ser parcialmente incorreto, pois o leitor pode conhecer uma ou outra dessas verdades. Porém, duvido que saiba todas. De qualquer modo, dividi as 12 verdades em quatro grupos, que vão do nível Amador ao Perito, portanto se você já tem alguma bagagem emocional pode pular os níveis iniciais.
Há muito ainda o que ser dito, mas o texto abaixo é um pequeno manual que abrange os principais pontos sobre o amor. Minha sugestão é que não leia tudo de uma só vez: se possível, imprima o texto ou salve de alguma outra forma para ler ao longo desta semana.
Nível Amador
1 – Encontrar alguém é como encontrar sua banda predileta.
Não é o talento do guitarrista, a aprovação dos críticos ou a beleza dos membros da banda (salvo se você é uma menina de 12 anos) que tornarão uma banda a sua preferida. Você só pagará o monumental mico de entrar para o fã-clube de uma banda se ela expressar, nas músicas, a sua visão de mundo. Você só comprará mais de uma camiseta com o nome da banda estampada se essa banda refletir, nas melodias e letras de seus hits, o seus sentimentos mais íntimos.
Da mesma forma, não é o conjunto de qualidades de uma pessoa, seu sucesso pessoal e nem sua aparência física que farão dela alguém que você ama.
Alguém pode gostar exatamente das mesmas coisas que você, pode ter todas as qualidades mais valorizadas pelos seus amigos e parentes, e ser realmente muito atraente – mas tudo isso diz muito pouco sobre se você será ou não capaz de amá-la.
O que é decisivo para você encontrar uma pessoa que será capaz de amar é que ela compartilhe da sua visão do mundo e que nela você reconheça o reflexo de seus sentimentos mais íntimos, de modo que ela demonstre compreender seus medos, expectativas, inseguranças e sonhos – porque na verdade são também os dela.
Vamos conversar mais sobre isso no item 2. Por enquanto ficaremos com as aplicações práticas dessa primeira verdade, que são simples mas fundamentais: na busca pelo parceiro de sua vida, a beleza física, as qualidades valorizadas pelas outras pessoas e as afinidades entre vocês importam muito pouco.
– A beleza física tem um valor apenas relativo. Em seis meses a beleza mais encantadora torna-se um rosto habitual. E sabe aquele nariz que lembra um tucano e você não conseguia parar de olhar no início do namoro? Depois de seis meses, você não conseguirá imaginar a pessoa que ama sem ele, e achará que todo o charme dela está ali.
– As qualidades que a outra pessoa tem e são valorizadas por seus amigos e conhecidos importa muito pouco. Ela é uma profissional competente? Ele sabe cozinhar? Ela é divertida e espontânea? Ele é afetuoso com crianças e animais? ÓTIMO, a sociedade aprova e com certeza a sociedade se apaixonará por essa pessoa. Mas isso diz muito pouco sobre se você vai ou não amá-la. Pois ela pode ter dúvidas sobre que carreira seguir, ser rabugenta de vez em quando, mal saber cozinhar um ovo e ser incapaz de contar uma boa piada, mas se você enxerga em seu olhar o reflexo do mesmo universo pessoal que há dentro de você, todos esses defeitos serão o que realmente são: não falhas, mas características da natureza humana de cada um.
As afinidades que vocês possuem também têm uma importância apenas complementar, mas não decisiva. Ele pode gostar de rock britânico e ela de sertanejo universitário, ele pode gostar de cinema francês e ela de seriados de zumbi: isso tudo diz muito pouco sobre a afinidade íntima do casal. Afinal, antes de se conhecerem ambos tiveram uma trajetória pessoal e desenvolveram seus gostos conforme as influências que estavam disponíveis a cada momento. Quando se encontrarem, essas diferenças não serão motivo de atrito, mas de um processo divertido e espontâneo de descoberta mútua.
Mas então, afinal o que importa?
2 – Você deve procurar o cúmplice para um crime.
Calma, isso não significa que vocês terão que praticar um crime juntos. Isso significa que a identificação emocional e a visão de mundo compartilhada com a outra pessoa deve ser tão intensa que você tem a estranha impressão de que é quase como se fossem cúmplices de um crime. Há algo entre vocês que não é dividido com mais ninguém, e por isso o resto do mundo encara a sua relação como se fosse uma espécie de delito.
É como se houvesse uma brincadeira ou piada secreta conhecida só por vocês, e cujo sentido e graça só vocês compreendem, de modo que todas as outras pessoas se sentem excluídas de um clube formado apenas por vocês dois. E a habilidade de se divertir com essa piada ou brincadeira indecifrável pelo resto de seus dias juntos, mesmo diante das maiores dificuldades, mesmo diante do cotidiano exaustivo, é o que fará a união entre o casal prosseguir.
Portanto, o que importa num relacionamento é a identificação emocional, é a cumplicidade repentina que surgirá entre vocês assim que se conhecerem, pois enxergam e sentem o mundo da mesma maneira. Não busque alguém cheio de qualidades, fisicamente atraente ou que tenha os mesmos gosto que você: busque alguém que tenha sido seu cúmplice num crime jamais cometido, seu único comparsa numa piada secreta jamais dita.
3 – O sexo é decisivo para o amor.
Ok, se o que importa é a cumplicidade criada pela mesma visão de mundo e pela mesma identidade emocional, qual a diferença entre isso e o seu melhor amigo ou amiga? Afinal, também com os amigos às vezes criamos uma tal identificação ao ponto de que nos sentimos pertencendo a uma quadrilha quase-criminosa, a um clube de só dois membros.
A resposta é simples: o sexo.
No item 1 afirmei que a beleza não é fundamental, e isso pode parecer contraditório com o que disse aqui. Mas todo mundo sabe que a beleza é apenas um dos componentes da atração sexual, muitas vezes até pouco relevante – pois se trata de química e não de estética.
E o sexo é fundamental sim. Apenas quando o casal descobre que a afinidade e cumplicidade que compartilham fora da cama também está presente nela é que confirmam que não, não são apenas bons amigos.
Os primeiros beijos são o indicativo dessa possibilidade, pois pelo beijo descobrimos um bocado sobre como é a pegada da pessoa no sexo. Mas só a coisa real confirma que o casal coloca fogo na cama e, portanto, tem futuro. Até porque o sexo entre duas pessoas que se curtem é a continuação e o aprofundamento daquela cumplicidade quase criminosa: vocês gostam tanto do que fazem que se perguntam se não é algum tipo de crime ou pecado.
Nível Aprendiz
4 – Não há destino, apenas felizes coincidências.
Alguns acreditam em destino, num complô do universo conspirando para que você encontre a pessoa amada. Mas como o personagem de 500 dias com ela descobriu, há apenas felizes coincidências, acasos que podem fazer o seu caminho cruzar com o de alguém que seja especial.
Isso é muito importante pois quem não pensa assim fica esperando que o destino traga no seu colo a pessoa amada. Claro, isso não significa que você precise se inscrever em todos os sites de relacionamento e viver com o polegar no Tinder. Mas você deve manter atenção plena a todas as pessoas que passam pelo seu caminho.
Mais que isso, você não pode desperdiçar as oportunidades que surgirem para que conheça melhor as pessoas que lhe são apresentadas por alguém ou que cruzarem seu caminho por mero acaso. E é preciso aprender a se arriscar mais e estar aberto a trocar ideias e alguns minutos com todos que passam casualmente por sua vida. Logo você aprende a ter certa habilidade de reconhecer rapidamente as furadas e os casos em que vale a pena investir mais de seu interesse – a possibilidade de ralar os joelhos com a experiência não é desculpa para se fechar a oportunidades.
Você, resumindo, precisa criar as oportunidades de conhecer alguém que possa ser como sua banda favorita – que compartilhe de sua visão de mundo e de seu universo emocional. Mas aqui vai uma dica: o melhor não é ir a baladas e outras situações onde habitualmente as pessoas vão justamente para encontrar alguém. Em geral nesses lugares estão todos tão armados, tão interessados em apresentar o melhor de si mesmos e obter algo das outras pessoas que tudo acaba em um tipo de baile de máscaras – só o que conhecemos dos outros é sua máscara.
O ideal para aumentar a possibilidade de ocorrer uma feliz coincidência é simplesmente sair de casa e fazer coisas que você gosta, participar de novos cursos ou atividades que você sempre quis fazer mas inventava desculpas para não realizar. É justo nas ocasiões e reuniões em que ninguém está pensando em encontrar alguém que os felizes acasos acontecem.
5 – Não há uma só pessoa para amar, mas várias.
Acreditar em alma-gêmea, acreditar que em algum lugar do mundo há apenas uma pessoa que espera por você é algo tão realmente tocante quanto uma criança que acredita ser o Coelho da Páscoa quem esconde os ovos de chocolate pela casa. É bonito, mas absolutamente falso.
Nem vou me deter muito nessa parte porque ela é óbvia. Mas a verdade talvez surpreenda mesmo quem não acredita em alma-gêmea.
A verdade é que, num raio de dezenas de quilômetros do perímetro em que você está neste exato momento (salvo se estiver em um deserto ou no meio da floresta amazônica), não há apenas uma pessoa que você seria capaz de amar e com a qual poderia viver décadas de companheirismo e realização conjunta. Não: há algumas, e basta acontecer uma daquelas felizes coincidências de que falei no item anterior para que o acaso coloque diante de você alguém muito especial.
Porém, um detalhe importante é que após algum tempo, quando o relacionamento estiver muito desenvolvido, você terá criado com aquela pessoa algo tão importante e profundo que você terá a impressão de que não podia ter surgido mais ninguém na sua vida. E de certa forma isso é verdade, a evolução da relação e do amor tornou a cumplicidade entre vocês tão singular que realmente aquela pessoa a partir de então é insubstituível. Isso ocorre pois nossa vida emocional é como um labirinto mágico: quando olhamos para frente, vemos vários possíveis caminhos, bifurcações que representam as várias pessoas com quem podemos nos envolver; mas quando você conhece alguém e passa a amá-lo, após algum tempo juntos você olha para trás nesse labirinto e enxerga apenas um único e reto caminho, como se por toda sua vida o único destino possível fosse encontrar aquela pessoa. O amor que sentimos se torna tão poderoso que transforma, em retrospectiva, o próprio passado, e cada coincidência que nos levou a conhecer tal pessoa é revestida com a cor dourada da predestinação.
6 – O desafio não é encontrar alguém especial, o desafio é quem você será quando a encontrar.
Em geral confundimos as coisas. Somos tão autocentrados que quando pensamos em encontrar alguém para amar, sempre imaginamos que isso depende só do tempo e do acaso, e que basta o encontrarmos para tudo estar resolvido. Basta conhecer uma pessoa especial que a amaremos e receberemos amor de volta e está tudo bem.
Mas o grande desafio não está em encontrar uma pessoa que você seja capaz de amar. Isso acontece com alguma dificuldade é verdade, mas nada excepcional: é só juntar os itens 5 e 4 para perceber. O grande desafio está dentro de você, é saber quem você será e o que terá a apresentar à outra pessoa quando o encontro ocorrer.
É que como nossa cultura, filmes, livros e músicas românticas (e alguns textos da internet também!) nos vendem a ideia de destino e alma-gêmea, costumamos pensar que o mundo colocará praticamente no nosso colo uma pessoa que seremos capazes de amar e que nos amará de volta. O amor, nesse caso, teria o poder mágico de aparar nossas arestas e remover aqueles nossos obstáculos emocionais que impedem o desenvolvimento de uma relação saudável (sobre relacionamentos tóxicos, ver mais adiante).
Mas aqui está uma regra de ouro: você recebe o que você oferece.
E se você encontrar uma pessoa realmente especial mas não tiver se desenvolvido emocionalmente para que possa oferecer à relação algo também especial, nem todo amor do mundo poderá dar continuidade ao relacionamento.
Como veremos nos dois próximos itens, para um relacionamento inicial se firmar e durar ao longo do tempo o amor não é suficiente – são necessários também outros elementos. E esses elementos são aqueles que precisamos desenvolver previamente em nós para, quando chegar o momento, estarmos preparados e à altura do relacionamento.
Como quase tudo na vida, precisamos sim de aprendizado e prática para podermos amar realmente e aproveitarmos tudo o que essa experiência pode nos dar.
Nível Intermediário
7 – Você pode entrar num relacionamento tóxico a qualquer momento.
No item 4 falamos que não há destino, mas apenas felizes coincidências que podem ou não ocorrer. Há, em resumo, apenas o acaso. O acaso que faz duas pessoas se encontrarem e se amarem é exatamente o mesmo que faz com que uma bala perdida num tiroteio atinja uma vítima inocente.
Isso quer dizer que, ao lado das coincidências felizes, há coincidências infelizes que poderão colocar no seu caminho uma pessoa ou um relacionamento tóxico. É uma questão, sim, de “sorte” ou “azar”.
Uma pessoa tóxica é, em resumo, uma pessoa com um sério problema ou falha de caráter. Um sujeito que costuma bater em mulher, uma namorada doentiamente ciumenta, alguém volúvel e capaz de trair e mentir com facilidade. Todas essas pessoas deveriam ter resolvido seus problemas ou defeitos de caráter antes de entrar em uma relação, mas como muitas vezes sequer reconhecem que têm algum problema, você pode ser “sorteado” com uma encrenca dessas em sua vida. E você vai sofrer, pois estará se apaixonando por alguém assim.
Por isso a compreensão do item 4 é tão importante. É difícil aceitarmos que fomos parar numa relação dessas e que estamos apaixonados por alguém tóxico – o mito do “destino” é sedutor demais, algo suspira em nosso ouvido que tudo vai dar certo de alguma forma, quando na verdade tudo vai dar errado.
É árduo aceitar que simplesmente tivemos azar e que fomos “capturados” por alguém que não vale nossos melhores sentimentos”. Recusamos a única solução possível nesses casos: terminar o relacionamento. Mas, como falo no item 10, o término é sempre possível.
Em outras ocasiões, é você próprio o portador do problema, seja por ser excessivamente ciumento, seja por recentemente ter terminado um relacionamento e tentar iniciar outro sem se recuperar do anterior, seja por ter algum vício ou trauma psicológico que deveria ter resolvido antes, seja enfim por qualquer outro obstáculo emocional que há em você. Em todos esses casos e em tanto outros, você deixou de fazer a lição de casa, deixou de se desenvolver enquanto ser humano como dito no item 6.
Nesse caso, o seu despreparo torna um relacionamento que poderia ser saudável e feliz em um relacionamento tóxico. Qual a solução? Bem, trate de resolver o seu problema, trate de evoluir como ser humano e tente desintoxicar a sua relação.
Mas o processo de desintoxicação pode não ser possível, seja porque você já fez besteiras demais, seja porque a solução do seu problema pessoal exige uma fase de solidão. A sua única saída é aceitar o inevitável, aceitar o fim de uma relação e compreender que está pagando um preço alto demais (o fim de um amor) para ganhar em troca uma lição que deveria ter aprendido no passado: portanto, não desperdice essa oportunidade.
8 – O amor é mais parecido com o trabalho de um pedreiro que de um poeta.

Quando falamos de um casal que se ama logo surgem na cabeça as cenas poéticas (e meio cafonas) de um casal bebendo vinho diante de um pôr-do-sol ou correndo sorridentes e de mãos dadas por uma praia deserta.
Bem, essas coisas acontecem, mas no melhor dos casos elas serão apenas 5% do cotidiano de um casal que se ama.
Nos outros 95% dos dias, a vida de duas pessoas que se amam tem muito mais a ver com coisas como ir no supermercado, pagar as contas, fazer projetos financeiros, apoiar-se mutuamente na estrada pedregosa da realização profissional, cuidar do outro quando adoece e lidar com uma lista interminável de problemas e desafios cotidianos.
Na prática, isso é como o trabalho de um pedreiro: levar tijolos com um carrinho-de-mão até um local, colocar tijolo em cima de tijolo com cimento até formar uma parede e passar para a próxima tarefa. A diferença é que o casal que se ama faz isso junto, e sua cumplicidade torna tudo isso mais fácil e até encantador.
O amor não nasce pronto, o que nasce pronto é o estado de apaixonamento, a partir do qual pode surgir o amor. O amor é uma construção e o casal é uma dupla de pedreiros. O sentimento fundamental está lá desde o começo, mas precisa ser nutrido, cuidado.
Todo amor exige a cumplicidade de dois obreiros, de um casal de construtores que levem tijolos e argamassa todos os dias para que fortaleçam as paredes e alicercem sua relação contra as intempéries do cotidiano e os terremotos que surgem na rotina.
Por essa razão devemos ter muito cuidado de não ficarmos sozinhos erguendo as paredes, enquanto a outra pessoa se aproveita de nossa disposição para não fazer sua parte. Isso é muito comum, pois a natureza humana é essencialmente preguiçosa, e quando investimos demais em uma relação, dando provas excessivas de que estamos gostando da outra pessoa, a tendência dela é relaxar e deixar de fazer sua parte.
Esse tipo de preguiça de um dos “obreiros” coloca tudo a perder, pois o segredo do amar não está na obra em si, não está nas paredes e alicerces erguidas pelo casal, e sim no esforço e na dedicação que fez essas paredes e alicerces serem construídos. É no trabalho contínuo, e não no fruto desse trabalho, que está coração pulsante do amor. É no suor de quem carrega o material da construção que se esconde a riqueza de uma relação. Se ambos não se dedicam igualmente a esse trabalho, pode se preparar para cair no item 10.
9 – Há uma definição sim sobre o que é o amor.
Muita gente diz que o amor é algo que não se pode definir, que é trabalho dos poetas dizer o que é amor. E como os poetas falam sempre através de simbolismo ou com palavras sugestivas, nunca conseguiremos expressar inteiramente esse sentimento.
Bem, isso é verdade até ali: toda a riqueza dessa vivência não pode ser talvez apresentada em palavras. Porém, existe sim uma definição resumida do essencial do amor.
Ela foi apresentada pelo Psicólogo Erich Fromm no seu livro A Arte de Amar, e pode ser expressa pela seguinte frase do escritor Robert Heinlen:
Amor é a condição na qual a felicidade da outra pessoa é essencial para a sua própria felicidade.
Quando você ama, o importante não é o seu bem-estar pessoal e imediato, mas a felicidade da outra pessoa, mesmo que isso signifique que ela apenas será feliz longe de você (e isso pode ocorrer por um sem número de motivos, pois a vida é estranha). O que lhe importa, no fim das contas, é que a outra pessoa esteja feliz e realizada, ainda que de tal situação surja dificuldades e sofrimento para você – pois, no fundo, você estará realmente feliz com a felicidade da outra pessoa.
Essa é a diferença essencial entre amor e paixão: na paixão, você quer ficar com a outra pessoa porque isso faz bem a você. No fundo no fundo, durante a paixão você está preocupado é com seu bem estar, com a satisfação propiciada pela presença da outra pessoa em sua vida. Há algo de muito egoísta numa paixão.
No amor, portanto, a situação se inverte: se você quer ficar com a outra pessoa, é porque sabe que ela também ama você e que apenas a união entre vocês dois fará bem a ela. O amor, porém, é incompatível com o egoísmo. O amor é contínua doação.
Nível Perito
10 – No amor, a porta sempre tem que estar aberta.
Vamos ser bem didáticos de novo. Se do amor surge uma construção, o resultado final dessa construção é uma casa chamada relacionamento. E essa casa precisa ter sempre uma porta aberta, seja para alguém sair, seja para algo ou alguém entrar.
Mesmo sendo didático é difícil entender, né?
A porta aberta é a possibilidade de que ambos, apesar de juntos, tenham também sua vida individual. É importante que cada um tenha uma esfera de privacidade e de autonomia que não compartilhe com a outra pessoa: seus próprios amigos, seus interesses, suas atividades pessoais, seus projetos particulares. Coisas, enfim, que digam respeito apenas a você mesmo e que sejam importantes para a outra pessoa apenas e exclusivamente na medida em que fazem você feliz.
Se isso não ocorrer, se o relacionamento englobar e engolir toda a vida particular de uma pessoa, teremos uma construção de porta trancada – e isso faz do local não uma casa, mas um presídio. E ninguém consegue amar muito tempo dentro de uma prisão.
Claro, o fato de a porta estar aberta, o fato de a pessoa possuir sua esfera pessoal de interesses, atividades e amizades, torna possível que um dia ela saia por essa porta e não retorne mais. Isso, porém, faz parte da vida, e a solução para essa situação não é trancar a porta (pois, como vimos, a prisão mata o amor). A solução é utilizar essa porta para que algo sempre entre por ela.
Um relacionamento estagnado também mata o amor, por isso é necessário sempre trazer algo de novo para a relação. Algo ou alguém deve, com certa frequência, entrar pela porta aberta: seja o casamento, seja um filho, seja a compra de um imóvel, seja uma viagem longamente planejada, seja qualquer outra mudança ou inovação que envolva o casal e signifique um desenvolvimento, uma evolução da relação.
Sim, dá trabalho, pois um relacionamento é uma obra que exige constante ampliação da casa. Não há aposentadoria para os dois pedreiros. Mas, se estiverem sintonizados, isso será a grande experiência de suas vidas.
11 – Quando o amor termina, é o resgate de um investimento. Quando a paixão termina, é a extração de um dente.

A paixão tem algo de ilusório, é a mistura de um coquetel químico que faz nosso corpo pegar em chamas com um conjunto de ilusões e falsas expectativas a respeito do outro. Por ser algo intoxicante e ao mesmo tempo ilusório, aumenta o tamanho das coisas.
Foi o escritor Yukio Mishima que disse que paixão é como uma dor de dente. Quando a dor está lá ela parece ser a coisa mais importante do mundo, ocupa completamente os seus pensamentos por dias e dias, e o dente dentro da boca parece pesado e gigante como uma rocha.
Muitas vezes essa dor de dente não é um problema. Uma boa paixão pode ser curtida e terminar tranquilamente quando chegar seu momento. Mas muitas vezes a paixão também é tóxica, como descrevi no item 7. Nesse caso, o melhor é arrancar esse dente que dói.
Porém, não adianta tentar acabar com uma paixão assim do nada. Isso é o mesmo que arrancar um dente com uma só puxada forte: é possível que você arranque (me desculpem a metáfora violenta) um pedaço da sua mandíbula se fizer isso. Precisamos fazer como um dentista e arrancar a paixão aos poucos, distanciando-nos gradualmente da pessoa – pois, diferente do amor que persiste mesmo durante uma longa ausência, a paixão enfraquece com o distanciamento ocasional.
E aqui vem o detalhe curioso: quando finalmente arrancamos o dente da paixão e olhamos para ele fora de nossa boca, percebemos o quanto ele era pequeno, e mal acreditamos que algo tão insignificante ocupou por tanto tempo a nossa atenção.
Já o fim do amor é totalmente diferente. Como veremos no próximo item, o amor na verdade nunca acaba: ele se transforma em outra coisa. O que acaba é o relacionamento, e do fim do relacionamento há o resgate do investimento afetivo que fizemos na outra pessoa.
Quando você se relaciona com alguém que ama, é como se fizesse um daqueles investimentos financeiros em que o resgate do dinheiro não é automático: solicitada a devolução, o banco tem, segundo o contrato, dias e talvez semanas para resgatar o valor do investimento e entregar a você.
Portanto, quando você ama, faz um investimento de expectativas, um depósito de capital afetivo na pessoa que não é imediatamente resgatável. E quando o relacionamento acaba, você emite uma ordem bancária informando seu desejo de terminar com aquele investimento – mas suas expectativas continuam lá, ainda depositadas por mais algumas semanas naquela relação, mesmo que ela tenha terminado.
Não adianta nesse período tentar investir em qualquer outra relação, pois você simplesmente não tem fundos, isso seria uma espécie de estelionato. Só resta a você aguardar pacientemente, confiante de que a instituição financeira (isto é, a Vida), sempre devolverá aquilo que lhe pertence – e torcendo para que, no momento da efetiva restituição, não lhe descontem um valor muito alto a título de taxa e multa pelo encerramento prematuro da relação. Nesse caso, sempre ficará algo que é seu com a outra pessoa. Mas isso, afinal, sempre ocorre: algo de nós sempre permanece com todos aqueles com quem nos envolvemos.
12 – O amor nunca acaba, ele se transforma.
Há vários tipos de amor, como sabemos. O amor do qual tratei neste texto é o amor romântico, ou seja, o amor entre duas pessoas unidas por uma cumplicidade que inclui o desejo sexual. Mas a base desse amor é o mesmo de todo tipo de amor. É o mesmo fundamento do amor entre filho e pais, do amor entre irmãos e do amor entre amigos.
Em todos esses casos, a felicidade da outra pessoa é importante para a nossa felicidade.
Por essa razão, o desejo sexual pode acabar, a cumplicidade pode terminar, o relacionamento pode ser abandonado. Mas o amor passa por um processo diferente. Ele em si mesmo se transforma e deixa de ser amor romântico para tornar-se o amor entre duas pessoas que compartilharam por algum tempo de uma mesma história juntos.
Esse é um tipo de relacionamento que não foi ainda definido, que ainda não tem um nome, pois nossa sociedade é mais primitiva do que o amor que nós, seres humanos, somos capazes de sentir. Em uma sociedade mais desenvolvida e saudável, daremos futuramente um nome para esse tipo de amor que é resultante do fim do amor romântico. Na falta de um nome, podemos ao menos dizer que é um sentimento próximo do amor que dois irmãos sentem, ou semelhante ao amor entre dois grandes amigos.
A banda Radiohead tem uma música chamada Pyramid Song que descreve uma espécie de paraíso, no qual todos os amores passados e futuros de uma pessoa estão ali com ela, em um lugar especial onde não há dúvidas e nada a temer. Esse é o tipo de experiência que sentimos quando reconhecemos que o amor existe e ainda persiste, transformado, após o término de um relacionamento.
A mensagem central desta última verdade é que somos todos uma grande família de seres humanos, cruzando uns os caminhos dos outros, amando-nos na medida do possível, e transformando esse sentimento em outra espécie de amor, construindo assim uma iluminada rede de relações que compõem a nossa história conjunta.
Essa é nossa aventura coletiva, e é fantástica.
Muito bom.
Muito mesmo, passar a semana refletindo.
pois e muita verdade explicada.
só tenho a agradecer pelo texto cara .
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Valeu, Daffni!
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Eu adoro esse texto… também curtia muito ler o Victor, uma pena que ele sumiu. Obrigada por publicar o texto aqui.
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Parabéns grandes verdades foram ditas.
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