It’s been a ride.
Uma vez Steve Jobs foi convidado a fazer um discurso de formatura para uma turma de Stanford e ele decidiu contar três estórias. A uma semana da minha formatura, eu quero contar três estórias também.
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A primeira estória é sobre pessoas que têm o mesmo nome que você. Ou talvez seja sobre como abordar professores depois que uma aula acaba. Ou talvez seja sobre acreditar em si mesmo.
Lá no quarto ano, depois de uma aula com o Dr. Paulo Tannús, eu fui até ele para tirar uma dúvida sobre hipertireoidismo. Perguntei algumas coisas e ele respondeu, muito cortês e muito genialmente, como de costume. Depois que terminei, ele perguntou:
— Qual é o seu nome mesmo?
— É Nícolas, professor.
— Nícolas… Você tirou a maior nota da sala na minha prova.
Minha reação foi a única que qualquer pessoa que conhece a Turma 85 de Medicina da UFU pode imaginar:
— Tem certeza?
Um segundo de suspense, um ponto de interrogação no rosto do meu professor, e eu completo:
— É que tem outro Nicolas na sala. Deve ter sido ele.
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A segunda estória é sobre mal-entendidos. Ou talvez seja sobre arrogância e prepotência. Ou talvez seja sobre como a gente esquece as coisas ruins que fazemos, mas as pessoas não esquecem as coisas ruins que sofreram.
Recentemente, uma colega disse que tinha uma mágoa antiga em relação a mim, por causa de um concurso interno que fizemos. Na época, eu disse a ela que ela não ia passar.
Eu não lembro de dizer isso. Com toda sinceridade, eu acho que eu não quis dizer isso. Mas ela disse que eu disse.
A verdade é que perpetradores do mal esquecem com bastante facilidade o mal que cometem. Um comentário maldoso jogado entre tantos outros não é particularmente marcante para ficar guardado no cérebro.
Mas as vítimas sempre lembram. Porque a dor marca forte.
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A terceira estória é sobre como cidades pequenas são chatas. Ou talvez seja sobre como cada pessoa ou coisa é diferente. Ou talvez seja sobre a lei natural dos encontros.
Por ordem do destino, neste último semestre eu passei algumas semanas em Capinópolis e em Monte Carmelo com três colegas: Yann, Wayner e Lucas. Yann é minha dupla de estágio, enquanto Wayner e Lucas são outra dupla.
Novamente, quem conhece a Turma 85 sabe quão diferentes somos eu e Yann de Wayner e Lucas, em vários aspectos. Eles quietos e religiosos, nós festeiros e materialistas.
A convivência de nós quatro não poderia ter sido melhor.
Uma vez, atravessando Capinópolis a pé, comentamos como a cidade era pequena. Eu, de Uberlândia, Yann, de Brasília, e Lucas, de Ribeirão, não concebíamos morar em uma cidade tão interiorana.
Mas Wayner achava ideal.
— Ah, eu acho legal. Cidade boa, tranquila. Eu moraria aqui.
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Na van de volta para Uberlândia, eu falei para Lucas que eu aprendi alguma coisa com cada pessoa que passou pela Turma 85. Não é uma hipérbole. Existe pelo menos alguma estória que me inspira ou alguma característica que eu admiro em cada um dos meus colegas de faculdade.
Desde criança, eu me acostumei a ser um dos melhores nas coisas que eu fazia. Quer dizer, eu me acostumei a ser um dos melhores academicamente. Nos esportes, pelo contrário, sempre fui um dos piores (era o goleiro no futebol e o último colocado (literalmente) na corrida). Nos desenhos, uma negação. Nas relações interpessoais, como me disseram uma vez, eu tinha o traquejo social de uma porta. Nos teatros e na dança, motivo de riso. Mas na matemática eu me superava.
Minha proeza acadêmica me acompanhou no primário, no ensino médio e até na faculdade de direito. Mas só até aí.
Na faculdade de medicina, eu nunca fui cabeceira. Eu sempre estive abaixo da média.
E isso é chato pra car***o.
É por isso que eu disse a Tannús que provavelmente ele havia me confundido com meu xará. É por isso que eu acho que foi um mal-entendido o que aconteceu naquela conversa com minha colega. E é por isso que eu admiro muito a minha turma.
Porque foi na Turma 85 que eu conheci as pessoas mais inteligentes, disciplinadas, focadas, motivadas e dispostas a trabalhar duro da minha vida.
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Considerando tudo isso, eu tenho orgulho de pelo menos uma vez ter tirado a maior nota da sala, na prova do Prof. Tannús.
Sim, ele não havia confundido. Era eu mesmo.
Chupa, Nicolau.
E, como eu estava errado nesse caso, talvez eu esteja errado sobre aquela conversa sobre o concurso. Talvez eu tenha realmente dito aquilo.
Bem, ela passou no concurso. E eu, não.
Nada melhor do que calar os naysayers.
E é por tudo isso que eu espero e desejo muito sucesso para todos que estão formando agora, em dezembro de 2020, depois de seis anos estudando medicina.
Ser competente é uma questão ética. Todo trabalho bem feito é um serviço a quem o recebe. E eu acho que todas as profissões são baseadas em ajudar as pessoas…
Ainda assim, a medicina tem algo de especial.
Constantemente, é o médico quem encontra um total desconhecido no momento mais agudo de sua vida, seja por dor intensa, por tristeza imensa ou por risco de morte. E é o médico o responsável por aliviar a dor, apaziguar a tristeza ou evitar a morte.
A medicina, como todas as profissões, exige sacrifícios.
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Todo sucesso a todos os colegas da Turma 85. Que usemos esse talento raro que agora temos para ajudar a diminuir o sofrimento no mundo, e que nossos desejos pessoais se materializem na medida em que fazemos isso.
Seja em São Paulo, seja em Capinópolis, seja onde for.

Lindo de se ler. Parabéns por ser você e ter o desprendimento de compartilhá-lo conosco, enquanto forma de pensar. Um bem muito valioso.
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