Estou travado num texto sobre o tempo há quase dois meses. Empurrando com a barriga. Não sei se pode ser chamado de bloqueio criativo. Me perdi em busca de fontes e de outras pessoas mais sabidas do que eu, que disseram coisas que poderiam corroborar para o ponto que quero elaborar no texto, afinal, um bom artigo costuma ter boas referências. O problema é que eu me encontrei preso a uma proposta de valor que não sei se me atrai tanto, que é a de apresentar conhecimento a quem me lê, mostrar algo denso, rico em informações, verdadeiro, real. Não que ela não seja boa ou necessária, mas há mais a ser transmitido em textos do que apenas aglomerados de teorias. Há vezes em que precisamos falar e ouvir sobre assuntos que não nos tornam mais inteligentinhos, discutir sobre nada, sobre tópico nenhum. Talvez haja um mundo a ser descoberto através do processo mágico de se trazer algo à tona usando a linguagem, algo que é nítido em um desabafo, em um texto poético, em uma sessão de terapia, em uma conversa fiada com quem se gosta. Nos atermos somente à ideia conteudista e teorizante seria limitar demais a nossa experiência nesta odisseia contemplativa que é a interação com a realidade, pensando tanto em quem consome, como em quem produz conteúdo.

E esta não é a premissa do momento? “Gerar conteúdo”. Fazer o tempo de quem te vê valer a pena. Mostrar o que você tem de conteúdo mais espesso, fácil de tragar, mas suficientemente calórico, como aquelas dietas que são aplicadas em cateteres nasoentéricos. E é de certa forma dessa maneira que temos tentado nos nutrir de informações infinitas e tão facilmente acessadas. Nunca se houve tanta informação de qualidade tão disponível. Parece ser nossa obrigação estar constantemente aprendendo sobre algo, afinal, aprender é muito bom e muito útil. Nos satisfazemos avançando à especialização, ficamos viciados em estar com um aparato de nutrição informacional ligado a nossos ouvidos e olhos, despejando 0,5 mL de informação a cada minuto contado a menos no microondas de nosso tão urgente tempo. Dá muita satisfação aprender, mas cocaína também dá: não seria esse mais um estímulo dopaminérgico que vem nos enganando?
Conhecimento é muito mais útil que cocaína, é evidente. Talvez seja a nossa única arma evolutiva de eficácia descompassada das capacidades que outros seres têm, como detectar ondas eletromagnéticas ou ter uma enzima que inativa um antibiótico que te mata. Talvez, por isso, reagimos ao desconhecido com esse misto de desespero e curiosidade. O corredor escuro de casa durante a noite é muito mais medonho quando não há aquela mínima fresta de luz, e vir a conhecer algo é iluminar esse cômodo assustador. Conheceremos a verdade, e ela nos libertará. Sobrevivemos mais e melhor se conseguirmos descrever cada etapa dos processos vividos, de forma que mais erros sejam evitados. Driblamos a seleção natural.
Assim, continuamos a buscar a grandeza, a excelência, a habilidade de interagir de forma mais eficaz com o mundo, seja financeiramente, seja esportivamente, mas especialmente intelectualmente, afinal, poucas coisas são tão satisfatórias e recompensadoras como a aquisição de conhecimento, talvez haja até um mecanismo de sobrevivência nisso, já que saber como conseguir comida talvez seja tão importante quanto se alimentar. Ouvimos infindáveis podcasts durante os exercícios físicos, caminhadas e trajetos de carro, nos nutrindo a 30 Mb/h de desenvolvimento pessoal. Desaprendemos a estar em paz enquanto desocupados, contabilizamos lazeres, cronometramos leituras, nos decepcionamos a cada segundo gasto pensando sobre tantos segundos gastos.
De um jeito ainda mais desesperado, decidimos assumir a posição de mestres de lifehacks. Temos ímpeto de divulgar cada gota de conteúdo adquirido, do jeito mais sabichão possível. Afinal, não é todo mundo que tem consciência de que existem hábitos apoiados por evidências para a melhora de qualidade de vida. Descobrimos o que seria a verdade, e nos sentimos no dever de divulgá-la. E talvez de fato seja nosso dever gerar esse impacto positivo no meio em que nos situamos.
No entanto, consumimos conteúdo sobre o que nos interessa, da forma que nos interessa. Não estamos tornando algo desconhecido conhecido, estamos nos masturbando intelectualmente. Não reconhecemos que às vezes o que é ignorado por nós contenha parcela semelhante de verdade àquilo que conhecemos. Escolhemos um caminho de fluxo de informação e somos presos ao algoritmo de forma que não sabemos mais se de fato optamos ativamente por aquilo que estamos vendo ou se é algo que nos foi mostrado, escolhido não por nós, mas por um time de analistas de nosso consumo. As propagandas que lemos nos direcionam ao que já queremos, os vídeos sugeridos, às mesmas versões deles mesmos, já esgotados em algum momento de distração da angústia da existência, afinal, talvez seja isso que importa de fato, algo que nos convença de que a vida é suportável ou até mesmo apreciável, que acalme nosso pensamento sempre tão disperso e ansioso.
Utilizamos redes sociais assim como utilizávamos as televisões, mas agora também com o cunho informativo. A ideia é pararmos de passarmos stories como passamos canais e começarmos a seguir quem traz conteúdo, gera valor. Nossa timeline se enche de professores, é o telecurso 2020. Queremos professores que expliquem em quatro cenas de 15 segundos aquele livro tão interessante de 500 páginas. Vendem-se, inclusive, livros que resumem esses originais, trazendo um concentrado informacional em um tempo hábil, quase dois scoops de whey protein comparados a um litro de leite.
Não consigo dizer, no entanto, que essa busca pelo conhecimento que o ET Bilu nos indicou seja vazia, ou nociva. Talvez eu esteja pendendo mais para afirmar que existe um justo meio entre contemplação e aprendizado, apesar de que dizer que existe um ponto de equilíbrio entre eles implica uma oposição na qual não acredito, como se cada um fosse o extremo oposto do outro, como em uma daquelas boas e velhas falsas dicotomias. Talvez haja espaço para apreciar os nossos próprios sofrimentos e ouvir áudios que nos sugiram qual é a melhor conduta para aquele caso tão complicado que apareceu na sua vida médica.
Minha intenção com este texto, no entanto, não é propor uma resposta para essa ansiedade. É mostrar para vocês, interlocutores, que eu a tenho, e tenho visto muitos a terem, também. Não esperava incluir diversos hyperlinks para artigos científicos e opiniões de especialistas para trazer o mínimo de luz a esse drama. Decidi expor aqui, neste monólogo vazio de estratégia para engajamento ou adição às suas vidas, que eu tenho tido dificuldade em consumir conteúdo, não pela praticidade, mas pela ânsia do aprendizado imediato, e mais dificuldade ainda em transmitir a vocês conteúdo, porque eu desejo mostrar algo concreto que valha seu tempo, contado a gotas. Se eu falo para você que meditação ajuda a melhorar o humor, é importante que eu envie a produção acadêmica que evidencia os benefícios do mindfulness. Desejo me aproximar do que é verdade, de fato, do que é real, e, se possível, afastar-me mais das minhas análises individuais tão enviesadas, sendo menos sábio aos meus próprios olhos.
Mas hoje não. Hoje eu só quis escrever minha elucubração privada de resposta aqui, para vocês. Talvez um dia eu a encontre e peça para vocês arrastarem para cima para aprenderem como encontrar o ponto ótimo entre ser um intelectual e um bon vivant.
Mas não aqui, não agora. Afinal, este não é um texto de conteúdo.
nÃcolas teixeira cabral escreveu no dia quinta, 17/12/2020 Ã (s) 13:18:
> Henrique Lopes Dantas e Sousa posted: ” Estou travado num texto sobre o > tempo há quase dois meses. Empurrando com a barriga. Não sei se pode ser > chamado de bloqueio criativo. Me perdi em busca de fontes e de outras > pessoas mais sabidas do que eu, que disseram coisas que poderiam corroborar > par” >
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