O que é sentido ao usar crack?

Olha, eu nunca usei. Mas pelos relatos de quem já usou, é bem parecido com a cocaína e com outras drogas estimulantes: uma excitação súbita, uma alegria inexplicável, a sensação de ser grande, a impressão de ser poderoso etc.

Afinal, poucas coisas na vida são melhores do que sexo, e cocaína, dinheiro e felicidade são três dessas coisas.

O crack, particularmente, chega mais rápido e em maior concentração ao cérebro por que é fumado, em comparação a uma droga cheirada ou ingerida. Assim, seus efeitos se iniciam mais rapidamente, iniciam-se de forma mais intensa e se esvaem também mais rapidamente.

Isso acontece em parte porque, quando você fuma, a droga é absorvida pelos capilares pulmonares através dos alvéolos do pulmão. Esses capilares drenam nas veias pulmonares, que chegam ao átrio esquerdo e depois ao ventrículo esquerdo, que bombeia o sangue para o resto do corpo, incluindo o cérebro, onde o crack realmente faz sua mágica.

Já no caso da cocaína cheirada, a droga é absorvida por capilares do epitélio da mucosa nasal. Depois, o sangue drogado dos capilares drena para o sistema venoso e chega no átrio direito, depois no ventrículo direito, que bombeia esse sangue envenenado para as artérias pulmonares. Nesse caso, o sangue ainda tem que passar pelo pulmão e pelo coração esquerdo antes de chegar ao cérebro. É um caminho mais longo, portanto.

Além da euforia marcante, que é essa sensação de onipotência e grandiosidade, o crack também acelera o coração, aumenta a pressão arterial e aumenta o consumo energético do organismo. É como se o sujeito entrasse naquela situação de “luta ou fuga”. Isso acontece porque o crack estimula o sistema adrenérgico.

A grandiosidade tem alguns desdobramentos. Pessoas felizes e energéticas costumam falar muito. Isso é extroversão. Na psicologia, a definição mais simples e ainda adequada de extroversão é a “tendência a experimentar sentimentos positivos”. Ou seja, o cerne da extroversão é a felicidade, não o domínio social. Acontece que pessoas felizes são socialmente dominantes, na maioria dos contextos. Então, como eu ia dizendo, a grandiosidade e a euforia do crack fazem a pessoa ficar expansiva e falante. É outra marca do consumo dessa droga (e também de outros psicoestimulantes, incluindo energéticos, cocaína, ecstasy etc.).

Além disso, o crack diminui o apetite e a necessidade de sono (assim como a cafeína, o metilfenidato etc.).

Depois do abuso, outra marca dos estimulantes, inclusive o crack, é aquele “efeito rebote”: a grandiosidade dá lugar à impotência, o bem estar dá lugar à angústia, a expansibilidade dá lugar à sensação de estar no lugar errado, na hora errada, com as pessoas erradas. O cansaço se instala, mas a estimulação adrenérgica não permite o sono. O resultado é uma sensação de desânimo e cansaço inquieto, tenso, que não permite relaxamento. Um cansaço agitado.

No longo prazo, além da fissura e da dependência, usuários dessa droga exibem tolerância, que é um sintoma da downregulation de certos receptores. Com a tolerância, o usuário tende a consumir quantidades maiores de droga. Consumindo quantidades maiores, aumenta cada vez mais o risco de efeitos adversos.

Eu falo um pouco sobre essa downregulation aqui: Por que as pessoas se viciam em remédios?

Um dos efeitos adversos mais descritos é a paranoia. Estimulantes em altas doses induzem a um estado de hiperalerta que está bem próximo conceitualmente do medo. Quando alguém fuma crack demais, ele pode chegar a esse estado, marcado por medo excessivo, desconfiança, e até delírios e alucinações.

Isso me lembra bastante os relatos da Grazon sobre os últimos anos de Chorão, que consumia cocaína de forma cada vez mais destrutiva, culminando com o fim de sua vida naquele apartamento em São Paulo.

E falo um pouco sobre o efeito farmacológico dos estimulantes neste texto, focado em anfetaminas: Como as anfetaminas agem no cérebro?

E falo um pouco sobre psicose aqui. Apesar de ser outro contexto, neurobiologicamente e clinicamente a psicose da esquizofrenia tem base comum com a psicose induzida por estimulantes: 20 fatos sobre a esquizofrenia.

Por fim, existe algo construtivo a ser tirado dessa história triste e tirânica de crack/cocaína: A cocaína nos ensina qual é o sentido da vida.

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