Por que receito cloroquina para COVID #1

Alguns dias atrás, começou no grupo da faculdade uma discussão polêmica. Diz-se que alguns gestores de saúde contactaram os médicos para lhes perguntarem se estavam dispostos a prescrever cloroquina, ivermectina e azitromicina para pacientes com diagnóstico ou suspeita de COVID-19. Aparentemente, a Prefeitura de Uberlândia fez uma espécie de “acordo” (não sei por qual instrumento) comprometendo-se a oferecer tais medicamentos a todos os pacientes que os quisessem. Nesse contexto, os gestores queriam saber se os médicos estavam dispostos a receitá-los — médicos que não estivessem não poderiam atender nas clínicas destinadas à doença, já que tê-los ofertados seria uma espécie de “direito” do paciente uberlandense.

Muitos médicos ficam, talvez com razão, indignados com essa postura. Muitos colegas disseram que não estão dispostos a receitar os medicamentos, já que todas as evidências científicas pelas quais pautamos nosso trabalho dizem contra essa prática. Eu entendo perfeitamente.

Mas eu estou disposto a receitar cloroquina, ivermectina e azitromicina a todos os pacientes com COVID-19, exceto se tiverem uma contraindicação marcante a algum deles.

É uma postura mais filosófica do que médica. Eu sempre tento me guiar pelas evidências, e eu sei que o kit COVID é no mínimo ineficaz e potencialmente deletério. Eu não tomaria e não recomendaria ninguém a tomar. Eu acho essa política de oferecer os medicamentos a todos os uberlandenses burra (no sentido médico e científico, talvez não no sentido político). Eu me sinto no dever de dizer ao paciente: “este medicamento não ajuda contra o coronavírus, e pode fazer mal — eu não tomaria e acho que você não deveria tomar”.

Mas privá-lo de um direito chancelado pela nossa sociedade e do exercício de uma decisão pessoal livre e esclarecida, isso não.

Quem sou eu para dizer a qualquer um o que fazer da vida? Quem é qualquer médico para dizer a qualquer paciente o que fazer da vida? Quem é qualquer um para dizer a qualquer um o que fazer da vida?

Na maioria das vezes, não é ninguém.

Tomar cloroquina para tratar COVID-19 é burro. E daí? Cada um com a sua burrice.

A recusa orgulhosa do médico que não quer receitar cloroquina porque não tem evidência científica de que funciona é isto: orgulho. Arrogância. Self-entitlement. A sensação de que pode dizer ao paciente o que fazer. 

A sociedade decidiu usar cloroquina, ivermectina e azitromicina. Nossos gestores, eleitos democraticamente, decidiram oferecê-las a todos. Os cidadãos de Uberlândia e do Brasil financiam esses medicamentos, burramente prescritos. A nós, médicos, cabe obedecer o que nossos patrões mandam.

Pois os médicos servem os pacientes e a sociedade. Nós não temos o monopólio da decisão médica, nem a nível individual nem a nível coletivo. Nosso dever é servir: informações, opiniões, evidências, contrapontos.

Se a sociedade e o indivíduo vão contra todas as nossas recomendações, paciência, Iracema.

A princípio, era para o texto terminar aqui. Era para ser somente um pequeno manifesto, mais poético do que técnico ou filosófico. Acontece que eu sou um profissional agora, e este texto envolve minha profissão e eu não quero correr o risco de ser mal interpretado na forma como conduzo minha vida profissional. Portanto, em textos subsequentes exporei mais pormenorizadamente a ética que me leva a concluir que receitar o kit COVID para os pacientes que o desejam é a conduta adequada no contexto atual de Uberlândia.

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