Formei na faculdade há quase dois meses. Minha última aula foi em 11 de dezembro de 2020. Colei grau em 14/12. Já estava procurando emprego. Peguei meu registro no conselho em 17/12 e já tinha atendimento no dia 18, que foi cancelado. Comecei na segunda-feira seguinte.
Na primeira semana, dei 66 horas de plantão, trabalhei duas manhãs em clínicas de medicina do trabalho, e fiz a tarefa mais difícil da semana: comprei presentes de Natal e roupas para trabalhar (todas as minhas calças eram rasgadas até então, porque eu sou descolado).
Na segunda semana, 42 horas de plantão. Tinha mais 24 para fazer no final de semana, mas passei para um colega, pois tive que viajar para São Paulo para fazer provas. Também atendi uma manhã em uma clínica particular e duas manhãs em medicina do trabalho. Viajei para São Paulo no sábado de manhã, após um plantão de 24 horas. Cheguei lá à noite, fiz uma prova domingo, fiz outra prova segunda, e voltei segunda à noite. Na terça às 13 horas, poucas horas depois de chegar, outro plantão.
Na terceira semana, completei 60 horas de plantão (tive que passar alguns por causa das provas), além de uma tarde de atendimento em clínica particular. Também fui para São Paulo fazer mais uma prova de residência: saí sábado à noite, cheguei domingo de manhã, fiz a prova, voltei à noite e cheguei em casa na segunda-feira de manhã.
Na quarta semana, tive 72 horas de plantões, quatro manhãs em medicina do trabalho, e uma manhã e uma tarde em clínicas particulares. Também passei um plantão de segunda-feira por causa da prova que fiz no final de semana anterior. No domingo, tive ainda outra prova, porém na minha cidade dessa vez.
Na quinta semana, comecei a fazer algo importantíssimo: anotar na agenda horários obrigatórios de descanso. Sem eles, eu me perdia nos horários e pegava serviços que chegavam a emendar três noites e dois dias sem descanso: plantão noturno, clínica de medicina do trabalho, plantão vespertino, outro noturno, clínica de medicina do trabalho de manhã, clínica particular à tarde, outro plantão noturno etc. Era insustentável.
Na quinta semana, fiz 72 horas de plantão, duas manhãs em clínica do trabalho, e uma manhã e uma tarde em clínicas particulares.
Na sexta semana, fiz 72 horas de plantão e uma manhã em clínica particular, além de uma prova de residência em segunda fase.
Na sétima semana de formado, que é esta, tenho previstas: 76 horas de plantão e duas tardes em clínicas particulares.
No total, em sete semanas trabalhando como médico, fiz:
- 460 horas de plantão;
- cerca de 35 horas em medicina do trabalho;
- cerca de 30 horas em clínicas particulares.
Isso dá 525 horas de trabalho em sete semanas, uma média de 75 horas por semana.
Contando apenas as últimas quatro semanas, depois que a maioria das provas de residência já tinham acabado e eu não precisava viajar para São Paulo, eu fiz:
- 292 horas de plantão;
- cerca de 21 horas de medicina do trabalho;
- cerca de 24 horas em clínicas particulares.
Isso dá 337 horas em quatro semanas, uma média de 84 horas e 15 minutos por semana.
É bastante trabalho.
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Ano passado, ainda antes de me formar, um amigo de infância que é médico falou sobre como teríamos que nos preparar, pois estava difícil arrumar emprego, o mercado estava saturado, os anos dourados da medicina haviam passado etc. etc. Eu respondi: “balela”.
E realmente é isso: balela.
Não existe profissão como a medicina no Brasil. Não existe nenhuma graduação que ofereça ao recém-formado a empregabilidade e a rentabilidade que a medicina proporciona. Médicos estão muito, muito, muito longe de serem pobres coitados sem empregos, com salários baixos, fazendo sacrifícios para se inserir no mercado.
Pelo menos, esse é o cenário hoje.
De fato, o número de médicos no Brasil vem crescendo muito e a tendência é aumentar ainda mais (proporcionalmente à população) nos próximos anos. Eu não descarto que a profissão passe por alguma precarização e que em alguns anos vejamos uma diminuição da rentabilidade e até, pasmem, médicos desempregados.
Mas hoje não é o caso.
Verdade seja dita, salários mais baixos seriam uma correção justa. Médicos recém-formados ganham muito mais do que qualquer outro profissional no Brasil, mesmo os mais qualificados.
Espero que o influxo de novos médicos no mercado eleve o nível do jogo. Tomara que os plantões sejam preenchidos por profissionais diligentes e qualificados, e não por “qualquer um” que aceitar o plantão — porque é assim que é hoje, devido à falta de profissionais: gestores brigando para colocar qualquer médico que se ofereça na escala.
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Trabalhar é uma delícia. Você ganha dinheiro, ajuda as pessoas fazendo algo que tenha valor para elas, e ainda aprende muito. Eu me sinto como se estivesse em um estágio remunerado da faculdade, só que acelerado: a curva de aprendizado é quase vertical.
Porém, é como dizia Renato naquela canção: “acho que entendo o que você quis me dizer, mas existem outras coisas”. Existe também o outro lado.
Iniciar uma ressuscitação cardiopulmonar efetiva e passar um tubo são decisões muito, muito, muito delicadas, e nós médicos plantonistas estamos sempre sujeitos a ter que tomar essas decisões em poucos minutos: muitas vezes, uma das decisões mais importantes da vida de uma pessoa que você nunca antes viu na vida, da qual você não sabe bulhufas, exceto “FR 35, SpO2 70%, teste positivo há sete dias”.
Imagine você nessa situação.
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Semana passada perdi minha primeira paciente. Foi horrível. Eu senti vontade de chorar. E eu fiquei literalmente sem saber o que fazer: o corpo da paciente, a filha no corredor, outros parentes lá de fora, um mal súbito, uma causa não bem esclarecida…
Dei minha primeira notícia de óbito na madrugada de sábado para domingo. A filha que acompanhava a paciente falou no final:
— Você foi ótimo, Nicolas, muito obrigada. Você passou pouco tempo com a minha mãe, mas cuidou muito bem dela. Obrigada.
Aí eu chorei.
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A medicina tem me deixado cada vez mais feliz. Eu, que durante a faculdade nunca amei estudar medicina, estou cada vez mais apaixonado pela profissão e cada vez mais motivado a estudar e praticar o conhecimento médico. Trabalhar, ser produtivo, cumprir desafios e aprender intensivamente: esta é a vida que vale a pena.
E oxalá continue assim.

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