É justo resumir a “função” da mente como a produção de sentimentos, pensamentos e comportamentos. Basicamente, o cérebro recebe estímulos (pelos sentidos, ou pelos hormônios do próprio corpo etc.), processa esses estímulos, criando uma imagem do ambiente interno e externo do animal, e gera respostas adequadas a esse ambiente.
Isso é verdade para complexos estímulo-resposta bem simplórios, mas também para aqueles mais sofisticados. Desde os arcos reflexos que estudamos no colégio, que nem chegam ao cérebro, mas se restringem à medula espinhal, até as deliberações longas que precedem decisões difíceis que levam a atitudes potencialmente devastadoras: sempre o sistema nervoso central (o cérebro, a mente) está recebendo estímulos, processando-os e gerando respostas. Essas respostas são primeiramente emocionais (sentimentos) e racionais (pensamentos), e a interação delas leva ao comportamento, que é a materialização da mente — do pensamento e do sentimento.
Então, quando você diz que alguém é ansioso, você está dizendo que ele tende a sentir mais medo do que a média das pessoas, que pensamentos intrusivos e desconfortáveis, como “será que ela está gostando da minha massagem?” e “eu acho que já falei demais, eu devia parar”, costumam pipocar em sua cabeça mais do que o normal, e que seu comportamento varia a maior parte do tempo entre a timidez culpada e a afoiteza mal direcionada. Quando você diz que alguém é extrovertido, você quer dizer que ele tende a experimentar mais sentimentos positivos do que a média das pessoas, que pensamentos agradáveis como “ele gosta de mim” e “isso que eu estou falando é genial” aparecem com mais frequência em sua mente e que essa pessoa fala alto, fala muito e tem uma linguagem corporal aberta e expansiva.
É intuitivo pensar que sentimentos, pensamentos e comportamentos afetam uns aos outros. Foi isso que Jordan Peterson quis dizer em sua primeira dica do seu livro mais popular: ande com as costas eretas e os ombros para trás. Uma postura confiante tende a gerar pensamentos e sentimentos de autoconfiança e self-reliance. Os mecanismos por trás disso merecem uma análise à parte, mas não é nenhuma mágica: o cérebro recebe estímulos, processa-os e gera respostas. Recebendo os estímulos de uma postura confiante (diretos e indiretos, através das mudanças que essa postura causa no ambiente), a mente cria sentimentos e pensamentos (e comportamentos!) adequados a esse novo ambiente. Nada de novo sob o sol.
Também parece intuitivo que, entre sentimentos, pensamentos e comportamentos, os primeiros são os mais anárquicos, pouco controláveis (diretamente) pela racionalidade e pela vontade deliberada. Você não pode simplesmente pensar “vou sentir ódio” e senti-lo. Você não pode decidir que não vai sentir mais medo — você pode agir apesar do medo, claro, mas suas pernas permanecerão bambas e sua mente permanecerá inquieta.
Diferentes são o pensamento e o comportamento. Pensamentos são intrusivos e ocorrem por si só, sem a deliberação racional do agente pensante, mas este pode escolher suprimi-los e guiar sua mente para outros pensamentos. Você não consegue decidir parar de ter medo, mas você pode direcionar seu pensamento de “eu vou morrer” para “é mais provável morrer tropeçando na calçada do que andando na montanha-russa”. O medo ainda está lá, e esse sentimento predispõe o surgimento de novos pensamentos intrusivos e catastróficos, mas você tem a capacidade de suprimi-los — apesar de não ser necessariamente fácil.
Igualmente, o comportamento pode ser modulado cognitivamente. Para mim, isso parece ainda mais fácil, porque comportamentos parecem menos intrusivos do que pensamentos — ainda que, confesso, talvez isso seja apenas um erro de percepção. Geralmente, concebemos comportamentos como entidades que demandam a rotura da inércia, que precisam de um esforço consciente e deliberado… Mas não é sempre assim. Chegar em casa e checar o celular, sentar no bar e tirar a carteira do bolso, ver um desafeto e comentar com desdém: são comportamentos intrusivos, impulsivos, não-deliberados. São sentimentos materializados, tão automáticos e incontroláveis quanto as paixões.
Mas eu digredi. Voltando ao assunto, o meu argumento é: comportamentos também podem ser modulados, e é até mais fácil lidar com eles do que com os pensamentos.
Ou seja, não controlamos nossos sentimentos, mas podemos modular pensamentos e comportamentos e, consequentemente, modular nossos sentimentos de forma indireta. Essa é a base da terapia cognitivo-comportamental: modificar pensamentos e comportamentos ruins para favorecer sentimentos, pensamentos e comportamentos positivos.
A terapia cognitivo-comportamental é amada e odiada por ser largamente considerada a técnica de terapia psicológica com melhores evidências científicas de sua eficácia. Para mim, faz muito sentido: nós mudamos nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos ajustando o que pensamos e o que fazemos, e não tentando descobrir as raízes dos nossos problemas enterradas na infância e num maldefinido “inconsciente”. Muito menos olhando as estrelas.
Assim como o essencial é invisível aos olhos, o segredo não poderia ser mais óbvio: preste atenção no que você pensa e faz hoje. O passado está longe, assim como as estrelas.

Muito bom! Informativo e poético.
Algumas considerações:
Um gráfico comparativo entre abordagens e resultados por transtornos seria interessante. Seria a TCC de maior eficácia para todos os transtornos? Quais seriam as outras concorrentes?
Acho prudente não descartar à priori abordagens não suficientemente testadas. Seria este o caso das Constelações?
A psicanálise em seus mais de 100 anos tem uma base teórica bem consolidada. A existência do inconsciente pode ser questionada com consistência ainda hoje?
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Obrigado, Antônio.
1. Coloquei de forma geral que a CBT é “famosa por ter mais evidências” porque essa é uma espécie de senso comum: tanto os detratores como os amantes da CBT que eu conheci na faculdade de medicina e de psicologia dizem algo parecido. De fato, a CBT tem evidências mais robustas para boa parte dos transtornos psiquiátricos, mas a superioridade de sua eficácia em relação a outros tipos de terapia é questionada. Não coloquei dados científicos sobre isso porque não era o assunto principal do texto (e daria muito trabalho para ser algo tangencial).
2. Sei pouco sobre Constelações (seria “constelações familiares”?), mas até onde sei é pseudociência pura.
3. O inconsciente existe no sentido de tudo que não é consciente: checar o celular logo que para no semáforo, roer unhas quando está ansioso, bater no interruptor quando entra no quarto etc. Já o inconsciente no sentido de um lugar do cérebro normalmente inacessível que se revela com a condução de um terapêuta, esse é mais forçado.
Muito obrigado por ler o blog e comentar! =)
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